Porque você deve assistir "She's Beautiful When She's Angry"
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Antes de começar qualquer texto ou divagação sobre um dos documentários mais bacanas que assisti em 2016, tenho um segredinho pra contar pra você: eu sou feminista. E durante muito tempo resisti em me rotular dessa forma. Achei que fosse um rótulo desnecessário, algo que era além do comum senso: você não precisa ser feminista pra lutar pelos direitos iguais, eu pensava. Mas de uns anos pra cá tive acesso a mais informações e percebi que se você for mulher, se quiser direitos equivalentes (seja no campo político, social, sexual ou econômico) e se deseja que a mulher possa ter a possibilidade de quiser ser quem ela quiser, da maneira que ela quiser, você é feminista. Ainda ando com passinhos de tartaruga nesse território imenso e cheio de informações que é o feminismo. Mas me sinto muito mais completa do que um tempinho atrás.
Uma coisa que me deixa muito feliz e esperançosa nos últimos anos é a divulgação de conteúdo relevante e de qualidade por meios de fácil acesso, como a internet e o Netflix. Foi por meio deste último que acabei conhecendo o She's Beautiful When She's Angry (Ela fica linda quando está com raiva, na tradução literal), um documentário de 2014 dirigido por Mary Dore. Pra deixar claro, o documentário conta sobre as lutas e a história do movimento feminista (que ficou conhecido como a segunda onda do feminismo) que aconteceu nos Estados Unidos entre a década de 1960 e 1970.
No começo, o nome do documentário me deixou um tanto quando incomodada. Depois de pesquisar um pouco a respeito, acabei entendendo que foi proposital: é pra cutucar a antiga ferida de que a mulher deve sempre ser associada com a beleza e a feminilidade, e nada mais. Além disso, um dos pilares do feminismo é o empoderamento e a auto-aceitação de ser quem você é sem que isso dependa exclusivamente da sua aparência ou de elementos "femininos", e sim da sua inteligência, da sua capacidade (seja ela física ou mental), sua criatividade, habilidades de fala, articulação, de ensinar, de aprender, de tocar instrumentos... Enfim! O título também celebra isso: você é linda por estar furiosa com a desigualdade e o desprezo com que a mulher é tratada.
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Quem narra a história do movimento feminista são as diversas vozes que fizeram parte deste. A diretora optou por acolher mulheres com diferentes pensamentos e que não necessariamente concordam em todos os pontos e tópicos abordados pelo movimento. Isso engrandece o debate e faz com que todos os pontos de vista sejam mostrados. Ainda assim, o que prevalece é a vontade de todas essas mulheres de promoverem a equidade de gênero por meio de palestras e debates construtivos, ainda que fossem diminuídas pela mídia.
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Algo que me assustou bastante foi a maneira com que mesmo os ativistas da nova esquerda - contra a guerra e a favor de direitos e liberdades civis - tratavam os movimentos feministas. Em determinado momento, o documentário mostra uma mulher subindo no palanque em um dos protestos à céu aberto contra a guerra pra fazer uma fala a favor da equidade de gênero (em um ambiente teoricamente livre de preconceitos ou misoginia) e sendo fortemente hostilizada pelos próprios participantes do movimento de esquerda.
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Ainda sobre exclusão e preconceitos, o documentário também dá a importância necessária pro racismo que ocorreu dentro do próprio movimento feminista. As entrevistadas e narradoras negras que fizeram parte do movimento feminista comentam sobre a falta de representatividade nos palanques e o racismo sofrido pela maioria branca, e contam a decisão de criar um movimento, o Irmãs Negras Unidas.
Algumas das vozes que narram o documentário eram de mulheres de classe média que possuíam condições para frequentar boas escolas e universidades. Em determinado momento, uma delas comenta que se deu conta de que se sentiu enganada por toda a sua formação acadêmica contar com pouquíssimas ou nenhuma mulher - seja no quadro de professores ou autores de livros, teses, pesquisadores ou intelectuais - e ainda não ter nenhum conhecimento a respeito da história ou conquistas das mulheres.
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As lutas do movimento feminista da década de 60-70 tiveram diversos reflexos, e a música foi um deles. A trilha sonora do documentário conta com diversas músicas no estilo Girl Power, performadas por cantoras como Aretha Franklin e Janis Joplin. Você pode conferir a lista da trilha sonora completa aqui.
Não vou mentir que fiquei bastante triste e decepcionada por perceber que boa parte dos tópicos que são tratados no filme, como a cultura do estupro (com a culpabilização da vítima e o famoso "boys will be boys") e a diminuição e colocação da mulher exclusivamente na casa e cuidando dos filhos persistem na nossa sociedade, ainda que mais de 50 anos após a segunda onda do feminismo.
Pra quem procura saber uma resenha mais técnica e muito mais elaborada sobre o documentário, recomendo o artigo da Joanna Burigo, do Carta Capital, sobre o assunto. Ela resenhou maravilhosamente bem sobre o documentário, de verdade!
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Ao mesmo tempo que o documentário trata de uma maneira leve (digo "leve" porque se mostra fácil de compreender), ao longo dele você vai receber diversos socos no estômago. É um prato cheio pra qualquer pessoa que procura entender e se politizar sobre o feminismo, suas razões e objetivos.
Por último, convido pra assistirem essa palestra realizada no TED pela escritora incrível Chimamanda Ngozi Adichie (você deve conhecer ela e o seu discurso da música Flawless, da Beyoncé) chamada "Nós todas deveríamos ser feministas". Tem meia horinha e é uma delícia de assistir:
Gente, tentei fazer uma resenha pela primeira vez e não tenho certeza alguma se ficou boa ou não hahaha! Ajudem contando pra mim o que acharam!
Beijinho